Características que Afetam a Cultura de Segurança
Como visto na postagem anterior - GS 2/2019, no exemplo dado sobre o atendimento que ocorreu de forma catastrófica para paciente Joan Morris, pode-se observar a presença de características nas equipes de trabalho que colocaram em risco a cultura de segurança implementada na instituição de saúde.
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O mais importante ainda de se destacar no exemplo da Sra Morris é o fato de que nos deparamos todos os dias no trabalho com tais características presentes fortemente nos comportamentos dos profissionais de saúde, entretanto, sem que percebamos o quanto essas características são nocivas e colocam os cuidados em um patamar de alta fragilidade para o paciente.
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Vejamos a seguir as quatro características identificadas no caso.
HIERARQUIA
Hierarquia tem estreita relação com o conceito de “GRADIENTE DE AUTORIDADE”.
“Gradiente de autoridade” é a distância psicológica entre o trabalhador e seu supervisor.
Uma organização tem uma hierarquia excessiva se os gradientes de autoridade forem amplos.
Gradientes de autoridade são naturais e, até certo ponto, saudáveis. Entretanto, quando impedem que prestadores de cuidado com conhecimento importante ou preocupações sobre um fato os compartilhem com seus superiores, por medo de estarem enganados ou de irritarem o chefe, esses gradientes tornam-se perigosos.
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Organizações seguras encontram maneiras de restringir hierarquias em todos os níveis, encorajando indivíduos a se manifestarem caso notem condições inseguras ou suspeitem que algo pode estar errado.
Todas as Organizações precisam de estrutura e hierarquia para que não se transformem em um caos – isso é positivo...
Exércitos devem ter Generais...
Crianças devem ter pais...
Grandes Empresas devem ter CEOs...
Entretanto, não pode ser excessiva pois funcionários esconderão informações importantes dos seus líderes.
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A área da saúde tem sido tradicionalmente caracterizada por forte hierarquia e gradientes de autoridade muito grandes, especialmente entre médicos e outros membros da equipe!!
cultura de baixas expectativas
Termo criado por Chassin & Becher em 2002 baseado no fato ocorrido em um hospital, onde um paciente errado foi submetido a um procedimento invasivo.
No caso da troca do paciente para a realização do exame invasivo [caso citado no GS 2/2019 - Sra Morris], os erros avaliados pelos autores foram:
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Os participantes aprenderam a esperar e tolerar uma norma de intercâmbio de informação defeituosa e incompleta;
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Falta de informações sobre os pacientes, ignorando sinais suaves que este pode ser o paciente errado;
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Interpretar a sequência de eventos como repetições de comunicações pobres, tornou-se ‘normal’.
Os autores criaram o termo "cultura de baixas expectativas" para explicar este fenômeno.
Há muitos casos em cuidados de saúde em que os funcionários adotam uma atitude desinteressada e sem esperança e passam a trabalhar de forma medíocre como padrão de assistência.
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Quando ocorrem erros, não há investigação robusta por parte dos líderes e funcionários para saber como alterar processos para prevenir outra ocorrência. Em vez disso, o problema é explicado com desculpas que resultam na possibilidade de que o erro pode ser repetido várias vezes.
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Lutar contra a "cultura de baixas expectativas” é um passo fundamental para a criação de uma cultura de segurança e vai requerer alteração nos padrões comportamentais de todos os profissionais, do tipo (exemplo):
De...
A. Se você não tem certeza de que está errado, presuma que está certo (“trata-se provavelmente de apenas mais uma pequena falha, elas acontecem muito por aqui”)
Para...
B. Se você não tem certeza de que está certo, presuma que está errado, e faça tudo que for necessário para ter certeza, mesmo sob risco de atrasos no próximo caso do centro cirúrgico ou de irritar um pouco alguém importante
Pressão por produções
Aqui a questão fundamental é lidar com o equilíbrio entre duas forças: segurança e produtividade.
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Lidar com questões de produção muitas vezes requer criação de processos mais eficientes, que proporcionam tempo para que se faça o trabalho com segurança. Mas também requer escolhas, como, por exemplo, diminuir o ritmo do centro cirúrgico quando este atinge um estado caótico.
Infração às normas
Prestadores de cuidados de saúde estão, obviamente, familiarizados com normas clínicas: tratam hipovolemia com fluídos, sabem que abcessos precisam ser drenados, etc...
Essas normas clínicas recaem amplamente no domínio da qualidade do cuidado
No campo da segurança, estamos mais preocupados com regras e políticas para prevenir danos ao paciente, por exemplo:
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Lista de verificação antes de inserir um cateter periférico;
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Verificar a identidade do paciente antes de enviá-lo para um procedimento potencialmente perigoso;
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Fazer o momento de “pausa” antes da incisão cirúrgica em um paciente, conforme orienta a OMS no Manual de Cirurgias Seguras Salvam Vidas, etc...
Essas regras e políticas para prevenir danos ao paciente são os pilares dos programas de segurança em muitas indústrias, mas o segmento de saúde tem dado atenção esporádica a elas!!
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Entretanto, quebrar normas de segurança faz parte da natureza humana, e nem sempre é uma coisa ruim...
Por exemplo: quem nunca atravessou fora da faixa de pedestre?
... e muitas vezes não há riscos em violar as normas...
“Violação rotineira das normas”! [James Reason]
O problema é que a aceitação cega da violação de normas se difundiu pela medicina, particularmente entre médicos, cujo ‘status’ no topo da hierarquia, e como empreendedores independentes, os permite ignorá-las!
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Tal qual a “teoria das janelas quebradas” na área de Polícia, pode-se argumentar que nossa permissividade com os infratores no segmento de cuidados de saúde é responsável pelo alto índice de violações de algumas normas muito importantes dentro das instituições de saúde... por exemplo: higiene das mãos.
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Melhorar a segurança do paciente exige que todos prestem mais atenção às normas e aos procedimentos;
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Precisamos garantir que as normas divulgadas sejam importantes o bastante para se prestar atenção a elas;
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Que diferenciemos as “normas obrigatórias” [invioláveis – “normas vermelhas”] daquelas “recomendadas”.
Você saberá que atingiu a cultura de segurança quando observar alguém em um nível hierárquico inferior – ex: uma Enfermeira novata, lembrar o médico-chefe de lavar as mãos, e o médico virar-se para a pia ou para o dispensador de álcool gel, após agradecê-la por lembrá-lo!
Junho / 2019
Você percebe um gradiente de autoridade excessivo por parte dos gestores na sua instituição de saúde?
Existem muitos infratores às normas na sua instituição de saúde?
Você percebe uma cultura de baixas expectativas por parte dos colaboradores que trabalham na sua instituição de saúde?
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Referências bibliográficas utilizadas:
Wachter, Robert M. Compreendendo a Segurança do Paciente.
[Capítulo 15 - Criando uma Cultura de Segurança]
Editora Artmed, 2ª Ed. 2013.
Reason, James T. Human Error.
Cambridge University Press. 1990.